Wednesday, April 27, 2011

Da janela do meu quarto.

Da janela do meu quarto
Repousam inimagináveis histórias que sucumbem ao entusiasmo dos dias.
Esses que correm a passar,
Ei-los, sôfregos na ausência do amanhã, o “atropelador” do presente.

Da janela do meu quarto
sussurra o boato mais escondido, pergunta retórica do segredo.
Dali ouvem-se respostas em tom de pergunta,
da janela do meu quarto.

E quando, da janela do meu quarto, se insiste em passear esqueletos
pela calçada apaziguada de verde, eis que a curiosidade comanda.
Comandam-se desejos e vaporizam-se aparências
encaixilhadas.


Da janela do meu quarto.

Mora '2011

Tuesday, April 12, 2011

Aerca da espera.

À Espera de Comboio.

Eu esperava serenamente
por um comboio
numa paragem de autocarros
e só chegavam mesmo autocarros
nunca passava um comboio
e entretanto o dia morria
na linha do horizonte do mar
totalmente pintada de vermelho
como sangue esquecido no abismo


Uma senhora de idade perguntou-me
se queria um copo de água
depois de olhar bem para mim
e me aconselhar a procurar
uma estação de comboios
pois ali só paravam autocarros


Também um cavalheiro deu-me
um cigarro e eu não fumo e disse
que se quisesse podíamos conversar
sobre a história de estarmos à espera
numa paragem de autocarros
pela passagem de um comboio
e não de um autocarro qualquer


Eu sabia que o cavalheiro e a velhinha
só me queriam ajudar a olhar mais atentamente
para a realidade que me rodeava
porém não podia aceitar nenhuma
das suas educadas propostas
porque a minha realidade estava definida
e esperava por um comboio
numa paragem de autocarros
e ninguém tinha nada a ver com isso


Na verdade eu só decidira experimentar
a sensação de esperar por um comboio
numa ilha onde apenas existem autocarros
observando o crepúsculo
sem ter outras coisas para fazer

José António Gonçalves.

Saturday, April 9, 2011

Sobre um poema.



Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.



Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.



E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.~



- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.


- E o poema faz-se contra o tempo e a carn
e.



Herberto Hélder.

Tuesday, April 5, 2011

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