Tuesday, December 21, 2010

aquecedor manufacturado.

Com o devido respeito a Mário Henrique Leiria;

Eu sei que os teus dedos são
escalas de notas, apuradamente, delineadas
pelas sublimes entranhas de nós.

Eu sei que planar, voluntariamente, - em ti -
sobreaquece o fígado.

Eu sei que o olhar amendoado
que mergulha num híbrido azul
é o meu aquecedor manufacturado.

Eu sei que atrás da tua orelha
perdura a sombra do nosso abraço,
enquanto o sorriso espreita.

Eu sei que atrás de nós
está a memória do presente
acorrentado à doce nostalgia.

Mora

nada a aferir.

E porque "aferir" é uma palavra, verdadeiramente, feia.


E sobre a inocência das coisas
nada posso dizer ou aferir.
nada que não seja ingenuamente naif(e)
ou absurdo para outros.
Nada a aferir.

E tu? Nada tens a aferir?
Contra os esqueletos sorridentes
da praça abandonada,
esses que já não temem o abandono
de si próprios.

Quanto aos outros,
os que tudo temem por tudo terem,
tudo a aferir.

Porque tu sabes que o esqueleto
andante do abandono
não deixa ninguém sorridente.
Ou indiferente.
Ou inocente.

Mas mais ninguém ousa aferir.


Mora (Dez.2010)

Fez-se escuro.


[Gentil e pacientemente tirada por José Ferreira, Dezembro 2010.]

Monday, December 13, 2010

you are welcome to Elsinore.

Para quem sabe que precisa de... :

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

M.Cesariny [Pena Capital, 1957]
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