Friday, January 31, 2014

porque é preciso enraizar.




...E quebrar a "rotina", passar pelas coisas, olhar e reparar.
Não estar sempre a "cair no chão",
mas sim enraizar em vez de apodrecer.
Antes viver, florar e rejuvenescer!


"Rotina"

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,  

se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,   

vamos caindo ao chão, apodrecidos. 
  
(Eugénio de Andrade)

Tuesday, January 28, 2014

a fragilidade do estímulo.




Cildo Meireles esteve em Serralves até ao passado domingo. E, como em muita coisa vamos mesmo no último dia (porque temos sempre tempo...até que o prazo termina e deixamos de ter), foi mesmo no último dia que fui deleitar-me com a exposição.

E deixou-me a pensar em algumas coisas. A mais trivial passa pelo facto dos adultos estarem, aparentemente, mais preocupados com o registo fotográfico de tudo e mais alguma coisa, contrariamente às crianças, estas permitem-se espontaneamente à fruição. Outra é que alguns desses adultos (e pais) passam mais tempo a reterem a fruição dos próprios filhos do que a incentivarem-na, ainda que os levem até locais como o Museu de Serralves para, supostamente, os filhos poderem experienciar e vivenciar formas (e obras) de arte. Mas aquilo que mais me pareceu ver (também só vemos o que os nossos sentidos permitem, na altura) foram pais a registarem-se e aos seus filhos enquanto estes tentavam fruir de algumas das instalações com as quais podíamos, felizmente, interagir, além da contemplação.

"Olha para aqui (...) sorri (...) só mais um bocadinho (...)"

Eu própria captei alguns registos (com o meu gadget modesto, em vez de aproveitar, quiçá, as potencialidades da câmara que deixei em casa). Queria fruir e, acima de tudo, a registar algo, que fosse o impacto dessa fruição e não o sorriso (forçado ou genuíno, depende de cada um) à frente de alguma obra. Para mais tarde recordar, é válido. Tudo bem. Mas não obstante do resto. Só isso.
Felizmente, alguns pais, a maioria dos mais pequeninos, pareciam os mais atentos, deixando-os livres e permeáveis aos estímulos. De resto, fiquei com a ligeira sensação que quanto menos novinhos eram, maior era a retenção dos estímulos e maior a artificialidade dos momentos. Presunções e deduções minhas à parte, rocei o estado de alguma perplexidade e estranheza com semelhante constatação. Podem ser puras ilusões (e presunções, até!) minhas, estas inocentes reacções. Da mesma forma que poderá ser dizer que senti a retenção do próprio estímulo dos adultos às próprias obras, numa relação inversamente proporcional à necessidade e vontade do mesmo registo fotográfico. 

Nas fotos da peça acima partilhada ("Amerikka"), deparei-me com a minha própria fragilidade e, simultaneamente, com a capacidade de abstracção. Esqueci-me completamente do tecto repleto de balas. Esqueci-me, talvez, porque o desejo de sentir o "chão" era maior que qualquer vontade de registar o mesmo num acto fotográfico. Ainda que o tivesse feito como as fotos comprovam. Da mesma forma que, depois de percorrer e sentir a peça, quis um registo em cima dela.
Mas... Descalcei-me e senti. E aquele momento valeu pelo esquecimento de sentir o tecto de balas em cima de mim. Porque, de facto, quando nos abstraímos, qualquer receio ou medo desvaloriza(-se)). E a nossa fragilidade é esquecida, nem que seja por breves momentos. Segundos que sejam.
Não pretendo com este texto qualquer espécie de crítica (seja ao comportamento das pessoas acima descrito, seja das próprias obras de Cildo Meireles, de todo), só mesmo partilhar, eventualmente, uma reacção ao estímulo que quis deixar aberto. Talvez, porque naquele momento só tenha querido fruir. Talvez porque naquele momento me tenha permitido a tal. Ainda que admita que vivamos grande parte da nossa vida sem nos permitirmos a semelhantes comportamentos, em alturas bastante distintas. Filtramos tudo na nossa vida, a maioria das vezes, filtramos tanto que até usamos filtros bonitos para registar esses mesmos momentos (ehehe, contra mim falo, claramente). Mas, acima de tudo, filtramos e tornamo-nos impermeáveis aos estímulos naturais que deixamos adormecer, em cada instante que podíamos simplesmente fruir em vez de reter.
E, claro, optei (no fundo, são sempre escolhas nossas, até escolher sentir) por fruir porque Cildo Meireles convida à participação em prol da fruição, num tom crítico e aberto a qualquer leitura que se queira fazer, com mais ou menos conhecimento do objecto em causa.
Mas, para tal, é necessário escolher entre a contemplação, a fruição e/ou gestos repetidos de perpetuar memórias. De quê? Do que se viu, do que se sentiu ou do que se vivenciou? Há dias para tudo, percebo. E eu prefiro os dias em que prefiro ver, vivenciar e sentir. E, por que não, registar a reacção ao estímulo... para mais tarde recordar.

Friday, January 24, 2014

"sonhos esquecidos"



"Origem dos sonhos esquecidos" 
 
Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa branca

Entre o pássaro e a bandeira
vai a distância dum relógio solar

Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância  dum lago desesperado

Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo fulgurante

Qualquer pedaço de floresta ou tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em si mesmos
e a noite encontrada para além do grito das panteras

qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se desfazem lentamente

Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu

Qualquer distância
entre tu e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora sorrindo
 
Mário Henrique Leiria 

Tuesday, January 21, 2014

frutos secos em duas coisas saborosas.

E, porque há bastante tempo que não são partilhadas quaisquer espécie de receitas "caseiras", duas sugestões bem diferentes mas igualmente saborosas, na publicação de hoje.

Uma saladinha maravilhosa (que pode ter uma leguminosa que tem tanto de antigo como de benéfico - esse fantástico grão-de-bico) e, mais abaixo, um bolinho húmido para este Inverno, de maçãs e frutos secos.


Os frutos secos à escolha para esta salada de canónigos: alperce e ameixa



Uma salada saladinha bem simples: canónigos com frutos secos (ameixa e alperce). Temperada com um fio de azeite, oregãos e um bocadinho de sumo de limão (quem preferir, uma excelente opção para substituir o vinagre).



Aqui em casa, aproveita-se grão-de-bico que sobra de hummus
 


Pela nossa boa disposição, comamos grão-de-bico! ;)
Uma maravilhosa leguminosa extremamente proteica e rica em fibras e ferro. Conhecida por ser quase "milagrosa" e aconselhada a sua utilização em quase tudo, desde sopas, a guarnições, saladas e outros pratos. Segundo várias fontes, pela sua forte composição de aminoácidos, entre os quais, o triptofano, responsável pela produção de serotonina, fundamental para a regulação da sensação de bem-estar e bom humor. ;)







E, porque aqui em casa, não se dispensa um bom docinho caseiro (e, de preferência, sem açúcares brancos saturados e toda a parafernália de edulcorantes e afins), eis uma receita de um bolo maravilhoso de maçã e frutos secos. As maiores diferenças passam pela não utilização de produtos lácteos como ovos ou a (tão alterada) farinha de trigo que chega à maioria das nossas prateleiras. Poderão encontrar outra oferta de farinhas como a de kamut/espelta integral (estas contém glúten), ou optar, então, por uma sem glutén (sendo que o milho e o trigo sarraceno são os cereais preferenciais - discutível se o sarraceno é um cereal - para uma dieta celíaca), em algumas lojas mais conhecidas pelo seu cariz dietético.

A receita encontra-se gentilmente disponível (assim como outras tantas) no site da médica Ana Moreira, é só espreitarem. 

Costuma dizer-se que na pastelaria e doçaria não se deve inventar muito, até porque obecede a um conjunto de fórmulas e afins, mas não podia resistir em experimentar algumas coisinhas. Além dos passos que a própria receita que sugere, acrescentou-se um pouquinho de café de cafeteira (que tinha sobrado, precisamente, do jantar com amigos) e em vez da canela, um bocadinho de chocolate em pó (podem optar e tentar um pouquinho de farinha de alfarroba, caso não possam/queiram o chocolate), assim como os frutos secos que tanto gostamos: alperce e ameixas além das sugeridas passas. Et voilà....nham nham! Delicioso. 
Façam as vossas adaptações em função do que puderem/preferirem comer.

É um bolo húmido q.b., logo, aguenta-se uma semana na perfeição...Se não forem extremamente gulosos ou não o partilharem...! Por aqui, o feedback tem sido igualmente delicioso...! ;)


Monday, January 20, 2014

uma espécie de "azul rouco".



Que tudo fosse de 
"um azul puríssimo, propagado,
isento de peso e crueldade
".

 
(referência a um poema de Eugénio de Andrade)

a propósito da percepção da nossa (própria) imagem.




Sobre a nossa imagem e auto-estima...E de como tratamos o nosso corpo. A forma como o tratamos corresponde à imagem que temos dele. Como sugere a maravilhosa Esther Ekhart, neste textinho, "Yoga and body image".


Wednesday, January 15, 2014

sobre aprender a parar.

Paremos, escutemos e olhemos o nosso corpo.

"We all love yoga, don’t we?  We love yoga so much, we don’t want to give up our daily practice. We love yoga so much, we sometimes push through poses when we aren’t ready for them. Then one day we get a gentle warning sign in the form of pain or discomfort."  (http://www.udaya.com/blog-post/)




 
O corpo diz-nos tudo, nós é que não o escutamos, de todo. Aliás, quando resolvemos dar-lhe (alguma) atenção, por norma, é sempre de forma narcisa e, diria até, abrupta. E somos tão pouco gentis com ele, definitivamente.

A propósito de como é importante aprender a parar e a escutar o corpo. Qualquer pessoa deveria escutá-lo e não o ignorar, mas quem tem por hábito e forma de estar na vida, qualquer prática física, semelhante atenção deveria ser inata. Ainda mais se a “prática” for de yoga e não meras repetições físicas para o ego ficar contente, inchado e... surdo.


Se antes não conseguia parar quando o corpo já enviava sinais por todos os lados, entretanto, nos últimos quase 15 dias, aquilo que tenho tentado fazer é tentar aceitar que precisava, realmente, de parar - com a prática intensa que fazia e não com a interna. Essa, sempre necessária. Agora, mais do que nunca. Curioso como estamos “programados” para nunca parar, como se tal fosse um sinal de fraqueza... ou de “calma aparente”, como também já me foi apontado.

Porque, se calhar, eu precisava de mais "yoga" e menos circo. E, depois de uma lesãozinha numa invertida que me obrigou à paragem obrigatória, passe a redundância propositada, admito sentir a urgência em reajustar toda a minha prática interna. Mergulhar em mim e não no meu ego.

E será que sentimos o que precisamos, verdadeiramente? Será que o nosso corpo nos envia sinais por todos os lados e a nossa mente, essa que “mente monumentalmente”, continua a dizer-nos o oposto do que, interiormente, vamos sentindo?

Uma amiga (e excelente osteopata) disse-me algo como, “A Vida tem maneiras de nos mostrar que precisamos de parar e refletir sobre como estamos a agir, e o corpo é o nosso melhor alarme. “

Fui avisada da “pior” maneira sobre a urgência de parar. Ainda que numa altura em que me sinto “parada”. E agora, o que é parar, genuina e verdadeiramente? O que é isto de aprendermos a cuidar de nós e dos outros, observando-nos e escutando-nos? Sem pararmos primeiro, dificilmente conseguiremos abrandar as preocupações internas e com os outros. E, quando andamos a massacrar o corpo, de forma exaustiva e pouco gentil, quando pensamos que lhe estamos a dar a melhor das atenções e, afinal, a prática não passa de algo obstinado e muito pouco carinhoso, não estamos a ouvir nada. Não nos estamos a ouvir. Não sei a fórmula ideal para tal, mas estou a aprender. E foi o próprio corpo que me alavancou a aprendizagem. E (agora parece mais claro), se estivermos pré-dispostos para tal e atentos, e formos meigos, não serão necessárias lesões para chegarmos a determinadas conclusões.

E o melhor que podemos fazer com a nossa única “casa”, o nosso corpo, é mesmo isso.

Ouçamo-nos.

Friday, January 10, 2014

"um resto de misticismo".



"Existe no fundo de cadas um de nós, é certo - tão friamente educados que sejamos - um resto de misticismo; e basta às vezes uma paisagem soturna, o velho muro de um cemitério, um ermo ascético, as emolientes brancuras de um luar - para que esse mundo místico suba, se alargue como um nevoeiro, encha a alma, a sensação e a ideia, e fique assim o mais matemático, ou o mais crítico, tão triste, tão visionário, tão idealista - como um velho monge poeta."

(in "Singularidades de Uma Rapariga Loura", Eça de Queiroz)

 




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