Tuesday, January 28, 2014

a fragilidade do estímulo.




Cildo Meireles esteve em Serralves até ao passado domingo. E, como em muita coisa vamos mesmo no último dia (porque temos sempre tempo...até que o prazo termina e deixamos de ter), foi mesmo no último dia que fui deleitar-me com a exposição.

E deixou-me a pensar em algumas coisas. A mais trivial passa pelo facto dos adultos estarem, aparentemente, mais preocupados com o registo fotográfico de tudo e mais alguma coisa, contrariamente às crianças, estas permitem-se espontaneamente à fruição. Outra é que alguns desses adultos (e pais) passam mais tempo a reterem a fruição dos próprios filhos do que a incentivarem-na, ainda que os levem até locais como o Museu de Serralves para, supostamente, os filhos poderem experienciar e vivenciar formas (e obras) de arte. Mas aquilo que mais me pareceu ver (também só vemos o que os nossos sentidos permitem, na altura) foram pais a registarem-se e aos seus filhos enquanto estes tentavam fruir de algumas das instalações com as quais podíamos, felizmente, interagir, além da contemplação.

"Olha para aqui (...) sorri (...) só mais um bocadinho (...)"

Eu própria captei alguns registos (com o meu gadget modesto, em vez de aproveitar, quiçá, as potencialidades da câmara que deixei em casa). Queria fruir e, acima de tudo, a registar algo, que fosse o impacto dessa fruição e não o sorriso (forçado ou genuíno, depende de cada um) à frente de alguma obra. Para mais tarde recordar, é válido. Tudo bem. Mas não obstante do resto. Só isso.
Felizmente, alguns pais, a maioria dos mais pequeninos, pareciam os mais atentos, deixando-os livres e permeáveis aos estímulos. De resto, fiquei com a ligeira sensação que quanto menos novinhos eram, maior era a retenção dos estímulos e maior a artificialidade dos momentos. Presunções e deduções minhas à parte, rocei o estado de alguma perplexidade e estranheza com semelhante constatação. Podem ser puras ilusões (e presunções, até!) minhas, estas inocentes reacções. Da mesma forma que poderá ser dizer que senti a retenção do próprio estímulo dos adultos às próprias obras, numa relação inversamente proporcional à necessidade e vontade do mesmo registo fotográfico. 

Nas fotos da peça acima partilhada ("Amerikka"), deparei-me com a minha própria fragilidade e, simultaneamente, com a capacidade de abstracção. Esqueci-me completamente do tecto repleto de balas. Esqueci-me, talvez, porque o desejo de sentir o "chão" era maior que qualquer vontade de registar o mesmo num acto fotográfico. Ainda que o tivesse feito como as fotos comprovam. Da mesma forma que, depois de percorrer e sentir a peça, quis um registo em cima dela.
Mas... Descalcei-me e senti. E aquele momento valeu pelo esquecimento de sentir o tecto de balas em cima de mim. Porque, de facto, quando nos abstraímos, qualquer receio ou medo desvaloriza(-se)). E a nossa fragilidade é esquecida, nem que seja por breves momentos. Segundos que sejam.
Não pretendo com este texto qualquer espécie de crítica (seja ao comportamento das pessoas acima descrito, seja das próprias obras de Cildo Meireles, de todo), só mesmo partilhar, eventualmente, uma reacção ao estímulo que quis deixar aberto. Talvez, porque naquele momento só tenha querido fruir. Talvez porque naquele momento me tenha permitido a tal. Ainda que admita que vivamos grande parte da nossa vida sem nos permitirmos a semelhantes comportamentos, em alturas bastante distintas. Filtramos tudo na nossa vida, a maioria das vezes, filtramos tanto que até usamos filtros bonitos para registar esses mesmos momentos (ehehe, contra mim falo, claramente). Mas, acima de tudo, filtramos e tornamo-nos impermeáveis aos estímulos naturais que deixamos adormecer, em cada instante que podíamos simplesmente fruir em vez de reter.
E, claro, optei (no fundo, são sempre escolhas nossas, até escolher sentir) por fruir porque Cildo Meireles convida à participação em prol da fruição, num tom crítico e aberto a qualquer leitura que se queira fazer, com mais ou menos conhecimento do objecto em causa.
Mas, para tal, é necessário escolher entre a contemplação, a fruição e/ou gestos repetidos de perpetuar memórias. De quê? Do que se viu, do que se sentiu ou do que se vivenciou? Há dias para tudo, percebo. E eu prefiro os dias em que prefiro ver, vivenciar e sentir. E, por que não, registar a reacção ao estímulo... para mais tarde recordar.

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