Thursday, December 6, 2012

antes teor que teorema.

"Antes teor que teorema
vê lá se para além de poeta
és tu poema"


(Agostinho da Silva)

Friday, October 26, 2012

Thursday, May 10, 2012

Num instante.

INSTANTE


Deixai-me limpo 
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes
Deixai-me com as coisas
Fundadas em silêncio


Sophia de Mello Breyner A., rabiscos vieira

Thursday, May 3, 2012

íssimo.

CansaçoO que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 
Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada — 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço, 
Íssimno, íssimo, íssimo, 
Cansaço... 

Álvaro de Campos
(há alturas na vida em q relemos este poema e ele volta a fazer todo o sentido.)

Monday, April 23, 2012

Thursday, March 15, 2012

Ela falava, falava, falava.

"Ela falava, e falava, e falava, e falava. Falava pelos cotovelos. E continuava a falar. Eu sou a dona da casa. Mas aquela empregada gorda só sabia era falar, falar, falar. Onde quer que eu estivesse, lá vinha ela e começava a falar. De tudo e de nada, disto e daquilo, para ela tanto fazia. Despedi-la por causa disso? Teria que lhe dar três meses de indemnização. Ainda por cima, seria bem capaz de me rogar uma praga. Até na casa de banho: e assim e assado, e frito e cozido. Enfiei-lhe a toalha na boca para que se calasse. Não morreu por causa disso, mas por já não poder falar: as palavras rebentaram-na toda por dentro."

Max Aub, in "Crimes Exemplares"



Tuesday, January 31, 2012

palavras para que vos quero.

não sei o que escrever, não sei como fazê-lo.
parece que as palavras, ultimamente, querem-se oralizadas. verbalizadas, só oralmente.
não querem a exposição e permanência da escrita.
querem-se perdidas.
menos dolorosas.
fugazes.

Wednesday, January 18, 2012

A simetria de Russell Edson.


O privilégio de se contar estórias, de se trabalhar entre letras e com letras, são os nomes que nos chegam, todos os dias. Uns mais anónimos que outros.
Depois de Daniil Harms, eis Russell Edson. 


SIMETRIA



Havia um homem que se sentia atraído por contrabaixos
porque lhe faziam lembrar mulheres nuas com peitos
envernizados.
Têm o tipo de ancas, dizia, que levam os homens
à loucura.
Obviamente que não se importava que, por razões de
simetria, as mulheres lhe fizessem lembrar contrabaixos nus.
Delas dizia, também têm o tipo de ancas que levam
os homens à loucura.
Uma vez pediu a uma mulher para ser o instrumento da
sua música.
Ela respondeu, está a brincar, por quem me toma, algum
contrabaixo?…



Foto: Frances Edson

Monday, January 16, 2012

o texto na esplanada.


Hoje li um texto fantástico.  
Escreveu tudo aquilo que eu acho e não conseguiria dizer sobre o porquê odiar o acordo ortográfico.  
Li-o, hoje, de manhã.  
Numa esplanada cheia de sol.  
E de monóxido de carbono.
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