Sunday, January 23, 2011

Acerca do dia de hoje.

Nada de novo, nada mudou.
Infelizmente.

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

                Valete, Fratres.

Fernando Pessoa, in "A Mensagem".

Thursday, January 20, 2011

Acerca do mercado "Bolonhês" e afins.


Manuel António Pina: I love you SO much.


O "mercado" é quem manda


"Se as universidades fizeram de doutoramentos, mestrados, pós-graduações e todo o tipo de licenciaturas, as mais delirantes, um negócio, porque não abrir esse negócio, o dos produtos finais e o dos componentes, ao "mercado"?
E se um diploma do 12.º ano se obtém hoje, nova-oportunisticamente, num mês ou dois e uma licenciatura à bolonhesa enquanto o diabo esfrega um olho, proporcionado às universidades a "oportunidade de negócio" (que o Conselho de Reitores já avidamente agarrou) de "mestrar" o milhão de licenciados pré-Bolonha cujo título deixou de valer um chavo, torna-se difícil levantar excessivas objecções morais à compra e venda de teses. Porque o "mercado" é quem manda e o cliente tem sempre razão.

Entretanto, o "Diário das Beiras" foi à net e descobriu o que toda a gente sabe (com excepção dos poucos e ingénuos que ainda acreditam na honestidade e de certos orientadores universitários): que se podem encomendar teses de doutoramento e mestrado sobre qualquer assunto, elaboradas por especialistas "de acordo com rígidos critérios de originalidade e qualidade" e a preços que variam entre os 1 200 e os 6 000 euros (vantagens da concorrência, pois há dois anos o DN informava que os preços andavam pelos 50 000 euros).
Talvez, quem sabe?, este venha a ser um nicho de mercado a explorar pelas próprias universidades, vender doutoramentos e mestrados prontos a vestir e já com tese incluída."

Sunday, January 16, 2011

ha-ha.

How Addicted to Facebook Are You?

Created by Oatmeal

É de "olhos bem fechados".

É de “olhos bem fechados”
que se esquece a prontidão cândida
do réu, acima, embriagado.

É, acima, do desejo - onde vultos
se aprouchegam de véus -
que aqueles estonteiam quem mais
procura, não fosse o receio
subir mais alto.

É de “olhos bem fechados”
que predomina a insolvência
daqueles que ousaram, quiçá,
um arrebatar pela cegueira.

É de “olhos bem fechados”
que se deixam encolerizar
as fortunas em demanda,
essas leves e recônditas
formas de subsistir.

E eles, eles que se deixam enlambujar
pelos mesmos, os que se mostram gulosos
de iguarias fajutas, inconstantes por aí.
ei-los. sobram sempre
alguns malfados transeuntes,
que teimam em estar no sítio errado,
à hora errada.

Mora
Jan/2011

Foto: Flick (Ashleigh290)

sschh.

E porque, todas as horas, o ruído substitui a comunicação, esta que peca pela sobredosagem e mais-que-imperfeita-excessivididade. [sim, há pano para mangas...]

"Há metafísica bastante em não pensar em nada."


Alberto Caeiro

Saturday, January 15, 2011

Acerca da escrita.

Actuação Escrita


Pode-se escrever

Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada

Pode-se não escrever


Pedro Oom
Actuação Escrita
1980

Thursday, January 13, 2011

A todos os semi-deuses.

E porque, felizmente, a vida e o jornalismo nos permitem conhecer outros que não "semi-deuses". 



Poema em linha recta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos 

P.S. - Obrigada, miúda. *

Tuesday, January 11, 2011

As Presidentas.



Tenho uma amiga que me envia por email alguns textos do António Guerreiro.
Este último texto (transcrito abaixo) foi sobre as questões acerca do feminismo presente (ou a sua ausência) em algumas palavras. A tão discutida palavra "presidenta" preconizada pela recém-eleita Dilma Rousseff e, pouco antes, por Pilar del Rio é um dos exemplos. Não tendo a pretensão de discutir questões muito acima das "linguístico-semânticas", a dúvida-provocação que lanço é... Por que motivo discutir a introdução do género feminino de uma palavra que, à partida, é neutra? Não me parece ser uma questão feminista discutir semelhante causa. Considero-me total defensora da igualdade de direitos de género e, precisamente por isso, não me sinto ofendida em momento algum com as palavras neutras. Ou enquanto substantivo, só admite o masculino e estou mal-informada? Se calhar, o problema reside na definição do significado da mesma. De qualquer maneira, é possível encontrar a seguinte nota: Presidente-Nota: como substantivo, admite também um feminino menos usado: presidenta


"A recém-empossada Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, proclama-se “presidenta”, reivindicando a desinência gramatical do feminino para a palavra que designa o cargo. Sophia de Mello Breyner Andresen, pelo contrário, não gostava de ser nomeada como ‘poetisa’ — mas sim como ‘poeta’ —, porque a palavra vem carregada de conotações de menoridade. Em ambos os casos, o que está em questão é a ideologia e os valores que se alojam na linguagem, modelada por um poder que nela se inscreve. Mas a ‘poeta’ e a ‘presidenta’ pensaram de maneira oposta o uso de tais palavras: Sophia entendeu que devia apropriar-se da palavra ‘poeta’ e que esta teria de adequar-se e ceder nas suas prerrogativas histórica e culturalmente sedimentadas; Dilma, pelo contrário, entendeu que devia forçar o dispositivo gramatical do masculino, exercer uma pequena violência (de resto, bastante menor do que o acontecimento que está na sua base) suscetível de acrescentar à palavra um suplemento de verdade histórica.
O que é interessante verificar é que ambas as atitudes podem ser consideradas provas de afirmação de um sujeito feminino. Sophia obriga a palavra ‘poeta’ a designar o que ela tem alguma resistência a dizer, a transpor diferenças e a vergar-se à autoridade de quem a reivindica. Sem alterar nenhuma convenção no plano gramatical, exerceu sobre a língua, tal como ela é falada, um efeito. Dilma, por sua vez, entendeu que tinha acedido ao estatuto de quem pode exercer uma correção linguística e reorientar o valor das palavras. Se Sofia não tivesse sido uma grande poeta, a sua reserva teria sido algo ilegítima; se Dilma não for uma grande presidenta, isso não diminui os efeitos da sua operação linguística. Uma e outra lembram-nos Nietzsche: “Receio que não nos possamos desembaraçar de Deus enquanto acreditarmos na gramática.” "


António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 8.1.2011.

Monday, January 10, 2011

Se não carregar dentro de 2 dias, será vaporizado! (à boa maneira Orwelliana)

Lembram-se do caso Ensitel? Que processou uma antiga cliente (um ano depois) por ter manifestado, no seu blog pessoal, a sua opinião e insatisfação acerca de um episódio que lhe aconteceu? É chato definirem-se barreiras ténues entre o que é pessoal e/ou público na web 2.0, não é? Ora bem, veremos se a Vodafone aplica a mesma estratégia com este curto post, no meu blog, repito, pessoal.

Ora bem, sou cliente Vodafone há uns anos e, na altura em que resolvi mudar e aderir a esta rede móvel, considerei-a vantajosa relativamente às outras, admito. Entretanto, nos últimos anos, surgiram os tarifários mega-hiper-super-vantajosos (!) - não há almoços grátis, não era? - , proporcionando aos clientes SÓ vantagens. O cliente opta pelo tarifário que, supostamente, lhe é mais conveniente. 

Primeiro, os tarifários com SMS “gratuítas”, tudo ok. Adesão em massa. Entretanto, o tempo passa e surge o TAG. A Vodafone treme. A TMN lança o MOCHE, a Vodafone tem de concorrer. Surgem os Extravaganzas e a Vodafone volta a tremer e a temer perder clientes porque, nos primórdios, a mensalidade que o cliente tinha de pagar não era revertida em saldo como acontecia e acontece no homónimo da Optimus, o TAG. Adesão em massa de clientes Vodafone ao TAG, mantendo o número-base 91. (E sim, apesar da elevadíssima taxa de desemprego, grande parte da camada jovem tem duas redes móveis [contra mim falo, eu incluída!].) 

Entretanto, a Vodafone acorda e resolve seguir o caminho da Optimus, não fosse perder mais clientes. Vá-se lá saber. Entretanto, os tais 10€ revertem em saldo e o cliente acalma-se e lá vai mantendo o velhinho 91. Devo dizer, a esta altura do texto, que nunca me agradou a comunicação externa destes tarifários – tratanto o público-alvo mega-hiper-super-cool como se de estúpidos se tratassem, tal como certos programas infantis ou dobragens do discovery. Mas ainda assim, a diferença de linguagem entre a Vodafone e a Optimus sempre foi e é surpreendente.

Quantos de nós não deixam passar o prazo de carregamento? Lá recebemos a mensagem de pré-aviso e, entetanto, de suspensão do dito tarifário: “como não carregaste, blablabla”. Ok, conhecemos a regras a priori. A grande diferença, para quem ainda não se apercebeu, é que a Vodafone agora (desde o presente mês) envia a seguinte mensagem, passo a citar: “Como não carregaste não podes comunicar. Se não carregares nos próximos 2 dias, passarás a ter custo de 50cent/dia. Carrega p/voltar a comunicar à borla.” 
Estou a imaginar um cartoon onde nos arrastamos, acorrentados às redes móveis e telecomunicações.

  1. Não fui notificada pela Vodafone, em momento algum, das alteração das condições do tarifário extravaganza. Apenas me disseram, por SMS, que para “compensar o aumento do IVA”, a Vodafone “aumentou o meu saldo em cerca de 2%”. Que queridos, só coisas boas... Não precisamos, propriamente, de uma licenciatura em Ciências da Comunicação, uma pós graduação em Relações Públicas e um mestrado em Marketing para compreender que esta SMS parece a maçã envenenada da Branca de Neve.
  1. Se não tenho dinheiro para carregar o telemóvel ou, simplesmente, não quero carregá-lo e a Vodafone me avisa da suspensão do tarifário, tudo bem, eu sei. Se passo a não poder receber chamadas e, eventualmente, ficar assim incontactável pelo não carregamento do cartão durante X tempo, tudo bem, continuo a ter conhecimento das condições e a assumir responsabilidades. A opção (ou falta dela por motivos económicos) continua a ser minha. Desde quando é que a Vodafone pode exercer o PODER AUTORITÁRIO de obrigar os clientes, após dois dias ultrapassado o prazo obrigatório – repito, sem aviso prévio da alteração das condições do tarifário – a pagar 50 CÊNTIMOS POR DIA para manter o cartão activo para apenas poder receber as eventuais chamadas (continuando sem as poder fazer porque não carregamos o telf)?
  1. De notar o tom autoritário e perverso da mensagem em tom da ameaça que deixa o cliente, totalmente, desarmado e apenas com duas opções: fazer o que a Vodafone obriga, carregando o telemóvel e continuando a alimentar este grupo macroeconómico ou deixar de ser cliente. Afinal quem é cliente e quem tem poder de escolha? Desde quando é que permitimos esta inversão do sistema vendedor-consumidor?
  1. Façamos um favor a todos: um dia de luto em que ninguém recorra ao telemóvel para o mercado das telecomunicações se ressentir. O cliente tem direitos e deveres. O cliente somos nós.

Despeço-me com a sátira ao caso ensitel. E...continuem a carregar ...para poderem comunicar À BORLA!
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