Wednesday, May 25, 2011

a subversão dos instintos.

Porque a imaginação tem muita força.
E porque toda a humanidade em nós parece evaporar-se aquando da inversão total da lógica das coisas. Das nossas coisas. Do sentido que a própria vida nos imprimiu, da impressão que a vida nos dá. 
Porque, acima de tudo, o instinto apela à inversão das coisas. À sobrevivência. Eis que neles esvaece a cegueira de fé, essa monstra de quatrocentas-e-cinquenta-e-sete asas e antenas. O lugar-comum das coisas e o santuário do desespero. O humano. A mutação constante que aspira à re-adaptação de tudo, do mais insignificante interlúdio sussurrante, à grandeza das coisas que apavoram qualquer lei da gravidade. Grave. É. 

* fotos de P.Almeida.  | Fotos de quase aqui.
 "... O sorriso, Já tinha sido assim nos tempos não muito distantes 
em que a mulher fora menina, palavra em  
desuso, quando o futuro era uma carta fechada e a curiosidade 
de abri-la ainda estava por nascer.  
Simplificando, pois, poder-se-ia incluir esta mulher na classe 
das denominadas prostitutas, mas a  
complexidade da trama das relações sociais, tanto diurnas como 
nocturnas, tanto verticais como horizontais,  
da época aqui descrita, aconselha a moderar qualquer tendência 
para juízos peremptórios, definitivos, balda  
de que, por exagerada suficiência nossa, talvez nunca 
consigamos livrar-nos. Ainda que seja evidente o  
muito que de nuvem há em Juno, não é licito, de todo, teimar 
em confundir com uma deusa grega o que não  
passa de uma vulgar massa de gotas de água pairando na 
atmosfera. Sem dúvida, esta mulher vai para a cama  
a troco de dinheiro, o que permitiria, provavelmente, sem mais 
considerações, classificá-la como prostituta  
de facto, mas, sendo certo que só vai quando quer e com quem 
quer, não é de desdenhar a probabilidade de  
que tal diferença de direito deva determinar cautelarmente a 
sua exclusão do grémio, entendido como um  
todo. Ela tem, como a gente normal, uma profissão, e, também 
como a gente normal, aproveita as horas que  
lhe ficam para dar algumas alegrias ao corpo e suficientes 
satisfações às necessidades, as particulares e as  
gerais. Se não se pretender reduzi-la a uma definição 
primária, o que finalmente se deverá dizer dela, em  
lato sentido, é que vive como lhe apetece e ainda por cima 
tira daí todo o prazer que pode. "


"...aqui, além, então de repente as chamas multiplicaram-se, 
transformaram-se numa única cortina ardente, um jorro de água 
ainda passou através delas, foi cair sobre a mulher, porém 
inutilmente, já era o seu próprio corpo o que estava a 
alimentar a fogueira. Como vai aquilo lá por dentro, ninguém 
pode arriscar-se a entrar, mas a imaginação para alguma coisa 
nos há-de servir, o fogo anda a saltar velozmente de cama em 
cama, quer deitar-se em todas ao mesmo tempo, e consegue-o, os 
malvados gastaram sem critério nem proveito a pouca água que 
ainda tinham, tentam agora alcançar as janelas, mal 
equilibrados sobem às cabeceiras das camas a que o fogo ainda 
não chegou, mas de repente o fogo já lá está, eles resvalam, 
caem, e o fogo já lá está, com a ardência do calor as vidraças 
começam a estalar, a estilhaçar-se, o ar fresco entra silvando 
e atiça o incêndio, ah, sim, não estão esquecidos, os gritos de raiva e medo, os uivos de dor e agonia, aí fica feita a 
menção, note-se, em todo o caso, que irão sendo cada vez 
menos, a mulher do isqueiro, por exemplo, está calada há muito 
tempo. " [Saramago, in "Ensaio Sobre a Cegueira"]


Imaginarius 2011, KTO Theatre, "The Blind".

Tuesday, May 24, 2011

porque livros, nunca são de mais.


E porque a Feira do Livro do Porto está mesmo, mesmo, mesmo à porta. 
Começa já esta quinta-feira e até dia 12, muitos livros vão estar à espera de umas mãos e corações atentos ;) 

Para os mais distraídos, a FLP acontece na Avenida dos Aliados. Celebrem-se as palavras com nexo.

[http://www.feiradolivrodoporto.pt/]

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nella ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver addiado que procria?

Fernando Pessoa, 
in "A Mensagem"

não se casem raparigas.

Porque estas palavras do Boris Vian são pequenas delícias de rir e chorar por mais....  ;)


Não se Casem Raparigas

Copla 1 


Já viram um homem em pêlo 
Sair de repente da casa de banho 
Escorrendo por todos os pêlos 
Com o bigode cheio de pena 
Já viram um homem muito feio 
A comer esparguete 
Garfo em punho e ar de bruto 
Com molho de tomate no colete 
Quando são bonitos são idiotas 
Quando são velhos são horríveis 
Quando são pequenos são maus 
Já viram um homem gordo à beça 
Extrair as pernas do ó-ó 
Massajar a barriga e coçar as guedelhas 
Olhando pensativo para os pés 

Refrão 1 

Não se casem raparigas não se casem 
Façam antes cinema 
Fiquem virgens em casa do papá 
Sejam serventes no carvoeiro 
Criem macacos criem gatos 
Levantem a pata na Ópera 
Vendam caixas de chocolate 
Professem ou não professem 
Dancem em pêlo para os gagás 
Sejam matadoras na avenida do Bois 
Mas não se casem raparigas 
Não se casem 

Copla 2 

Já viram um homem à rasca 
Chegar tarde para o jantar 
Com baton no colarinho 
E tremeliques nas gâmbias 
Já viram no cabaret 
Um senhor não muito fresco 
Roçar-se com insistência 
Numa florzinha de inocência 
Quando são burros aborrecem 
Quando são fortes fazem sports 
Quando são ricos guardam o milho 
Quando são duros torturam 
Já viram ao vosso braço pendurado 
Um magrizela de olhos de rato 
Frisar os três pêlos do bigode 
E empertigar-se com um ar de bode 

Refrão 2 

Não se casem raparigas não se casem 
Vistam os vossos vestidos de gala 
Vão dançar ao Olímpia 
Mudem de amante quatro vezes por mês 
Peguem na massa e guardem-na 
Escondam-na fresca debaixo do colchão 
Aos cinquenta anos pode servir 
Para sacar belos rapazes 
Nada na cabeça tudo nos braços 
Ah que bela vida será 
Se não se casarem raparigas 
Se não se casarem 

Boris Vian, in "Canções e Poemas

Monday, May 16, 2011

Jaki Liebezeit ao jantar.





E porque se ouviam várias de krautrock, destacou-se Jaki Liebezeit. Ouvia-se "This is the rule".
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