Tuesday, January 11, 2011

As Presidentas.



Tenho uma amiga que me envia por email alguns textos do António Guerreiro.
Este último texto (transcrito abaixo) foi sobre as questões acerca do feminismo presente (ou a sua ausência) em algumas palavras. A tão discutida palavra "presidenta" preconizada pela recém-eleita Dilma Rousseff e, pouco antes, por Pilar del Rio é um dos exemplos. Não tendo a pretensão de discutir questões muito acima das "linguístico-semânticas", a dúvida-provocação que lanço é... Por que motivo discutir a introdução do género feminino de uma palavra que, à partida, é neutra? Não me parece ser uma questão feminista discutir semelhante causa. Considero-me total defensora da igualdade de direitos de género e, precisamente por isso, não me sinto ofendida em momento algum com as palavras neutras. Ou enquanto substantivo, só admite o masculino e estou mal-informada? Se calhar, o problema reside na definição do significado da mesma. De qualquer maneira, é possível encontrar a seguinte nota: Presidente-Nota: como substantivo, admite também um feminino menos usado: presidenta


"A recém-empossada Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, proclama-se “presidenta”, reivindicando a desinência gramatical do feminino para a palavra que designa o cargo. Sophia de Mello Breyner Andresen, pelo contrário, não gostava de ser nomeada como ‘poetisa’ — mas sim como ‘poeta’ —, porque a palavra vem carregada de conotações de menoridade. Em ambos os casos, o que está em questão é a ideologia e os valores que se alojam na linguagem, modelada por um poder que nela se inscreve. Mas a ‘poeta’ e a ‘presidenta’ pensaram de maneira oposta o uso de tais palavras: Sophia entendeu que devia apropriar-se da palavra ‘poeta’ e que esta teria de adequar-se e ceder nas suas prerrogativas histórica e culturalmente sedimentadas; Dilma, pelo contrário, entendeu que devia forçar o dispositivo gramatical do masculino, exercer uma pequena violência (de resto, bastante menor do que o acontecimento que está na sua base) suscetível de acrescentar à palavra um suplemento de verdade histórica.
O que é interessante verificar é que ambas as atitudes podem ser consideradas provas de afirmação de um sujeito feminino. Sophia obriga a palavra ‘poeta’ a designar o que ela tem alguma resistência a dizer, a transpor diferenças e a vergar-se à autoridade de quem a reivindica. Sem alterar nenhuma convenção no plano gramatical, exerceu sobre a língua, tal como ela é falada, um efeito. Dilma, por sua vez, entendeu que tinha acedido ao estatuto de quem pode exercer uma correção linguística e reorientar o valor das palavras. Se Sofia não tivesse sido uma grande poeta, a sua reserva teria sido algo ilegítima; se Dilma não for uma grande presidenta, isso não diminui os efeitos da sua operação linguística. Uma e outra lembram-nos Nietzsche: “Receio que não nos possamos desembaraçar de Deus enquanto acreditarmos na gramática.” "


António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 8.1.2011.

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