Thursday, September 3, 2015

mostrar ou não mostrar?

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Um editorial do Público (justificando o porquê da publicação das imagens da notícia de um barco naufragado num lago da Turquia, onde vemos uma criança que foi dar à costa do lago) espoletou este comentário em onda de reflexão/interrogação. É um assunto discutível e discutido em todas as cadeiras, desde as dos anfiteatros universitários, às dos debates televisivos, ao banco do autocarro e/ou do café. A interrogação não é nova, as respostas também não...Mas, da mesma forma que, por vezes, preferimos não opinar, não pensar, tentar adormecer qualquer estímulo que nos toque à porta, assim como é preferível não racionalizar ou reflectir muito acerca de determinadas áreas da nossa vida, ainda acredito que estamos aqui para o fazer. Afinal, acredito que viver de forma mais consciente é um dos nossos propósitos...e só assim poderemos viver e ser livres (quer das construções q nós próprios elaboramos acerca de nós, quer das elaboradas acerca do mundo onde estamos). Acredito, profundamente, que a liberdade individual "só" pode (co-) existir aquando de mãos dadas com a consciência.

A linha ambígua entre mostrar a realidade ou cair no sensacionalismo...
Afinal de contas, é tudo justificável?
Não se publicam determinadas imagens, precisamente, pela exploração do horror e pela obrigatoriedade ética (e quase q moral) de manter a dignidade o respeito pelos protagonistas de determinadas "histórias"...?
Até que ponto isto é justificável? Até que ponto não se deve mostrar "ao mundo" entorpecido, o horror a acontecer na porta do lado? Será que ficamos tão insensíveis à tragédia humana pela invasão diária e instantânea de acontecimentos que ultrapassam, paradoxalmente, a capacidade humana de os digerir? Somos metralhados, constantemente, com tanta informação (tanto ruído para os nossos sentidos) que nem conseguimos assimilar que quando nos deparamos com uma imagem destas, das duas, uma: ou criticamos os media que os publicaram, apontando os argumentos anteriormente apresentados e, lastimando a opção dos mesmos; ou, pura e simplesmente rejeitamos quase que inconscientemente a repulsa indigestível de algo que nem conseguimos apreender, dada a overdose de notícias hediondas a roçarem nos olhos, na boca e no coração, a toda a hora. Ficamos como que entorpecidos, adormecidos entre tanto sofrimento alheio, ao ponto de criarmos algo que nem processamos. É uma defesa natural, protegermo-nos do medo e do sofrimento. É como quando ouvimos um grito com determinada frequência (entre 30 a 50 Hertz, segundo um artigo da Revista do Expresso, de 29/08/2015), e as nossas amígdalas são imediatamente estimuladas e lá são remexidas as profundíssimas áreas do "medo" e "ansiedade", colocando-nos em situação de alerta e "acelerando as reacções" perante o perigo. Será que bloqueamos essa área do nosso cérebro pelo entupimento constante de más notícias? Como reagir?

É legítimo não querermos reagir? É legítimo não querermos saber? É legítimo que "queiram" que queiramos saber? (Afinal, "o espelho da realidade", a responsabilidade individual e colectiva, o interesse público, cidadania activa da sociedade comum...) Podemos sempre fechar o jornal, fechar a página online, mas já não podemos ignorar aquilo que vimos e o nosso cérebro registou, ainda que queiramos esquecer. Já lá está. Não podemos fazer reset ao sistema em segundos. E está lá porque foi publicado pelo medium. Se a opção não tivesse sido essa, não teríamos sequer a milésima de segundo da oportunidade de registar aquela imagem. O que fazemos com ela e com a forma como digerimos o horror real já é responsabilidade nossa. Não diabolizemos nem entreguemos a responsabilidade total aos media. A sociedade civil também dita o alinhamento dos media, contrariamente ao que possamos pensar (e acusar!). A agenda não é criada a partir do nada. As coisas, por mais que queiramos acreditar que não, também são bilaterais. Quando optamos por nada fazer, já é por si só uma opção. Seja escolher não sentir, apagar, entorpecer, esquecer. Ou lembrar. Lembrar o clichê que a "realidade ultrapassa a ficção”.

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