
Gostava de ter sido eu mas não fui...
Para qualquer hora sem hora marcada. Um espaço pessoal e de partilha variada. Com deambulações poéticas pelo meio e todo o género de afins. Desentorpecid(a)mente.
Numa era de “fast-tudo”, torna-se urgente criar plataformas que incentivem e permitam a aplicação da criatividade num tempo em que o próprio tempo é escasso.
Microfilmes para uma era de micro disponibilidade.
A quantidade de curtas e amadoras produções audiovisuais cresceu exponencialmente nos últimos anos. O público mudou e transforma-se, grande parte das vezes, no próprio criador das ditas produções. Qualquer pessoa pode, actualmente, criar e publicar o seu trabalho nas mais diversas pranchas tecnológicas: blogues, youtube, myspace e afins são potenciais expositores para o olho alheio.
O festival Microfilmes abriu, portanto, mais uma porta, tanto à micro como à macro criatividade.
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Não foram precisas câmaras, nem luzes, nem propriamente acção. Apelava-se apenas à vontade de criar na primeira edição do festival, promovido e organizado pelas Produções Fictícias, S.A.
O meu apartamento tem uma vista verde. Verde alface deslavada. Alface que queimou ao sol mas ainda não está amarelada.
O meu apartamento vê um conjunto de azulejos, que estão espalhados de forma a que qualquer vizinho de uma instituição mental, vulgo sanatório, se sinta confortável ao ver.
O meu apartamento percorre uma quantidade absurda de monóxido de carbono da maneira mais iludida possível que o falso valor de uso consegue preencher.
O meu apartamento está numa rua com dois vultos nocturnos e não noctívagos, no mais comum sentido da palavra.
O meu apartamento está sobre as casas estranhas e torna-se actor da curiosidade voyeurista de quem sobe a persiana do outro lado da rua.
O meu apartamento contempla a solidão de todos os que habitam os hábitos da rotina.
Sento-me enquanto escuto.
Está escuro e a luz é lânguida.
Desconexa de si mesma.
Se um dia pudesse explicar a longitude das minhas acções, talvez se pudesse depreender a curta longevidade que elas podem assumir.
Uma pausa no caminho nem sempre é aceite, há que correr e correr. Correr, correr, correr.
Perceber, fingir entender, acumular conceitos sem sequer os compreender. Correr, só correr.
Há pausas paradas em que se pára mesmo. Em que se senta a inquietude, passeia-se a densidade mental até ela ebolir ao ponto de se desfazer da própria condensação inquietante.
Tanta condensação de conceitos e preconceitos faz mal. É preciso desfazermo-nos deles para obter alguma consolidação do sentimento.
Desfazer, correr.
Correr e desfazermo-nos.
Era uma vez a dança...
Ironia, sarcasmo, humor camufladamente flagrante, leveza, magreza subtil e cheia de forma, domínio perfeito das regras para serem quebradas, tropeções perfeitos, elasticidade natural é aquilo que me ocorre quando penso no espectáculo da Companhia Paulo Ribeiro, no passado sábado, no TNSJ: “Malgré nous, nous étions là”.
Afinal de contas o que é a dança contemporânea? Toda a ironia utilizada durante os 55 minutos por Paulo Ribeiro e Leonor Keil serve para (não) nos responder a essa questão e o público percebe e solta gargalhadas.
Segundo palavras do próprio coreógrafo, “A questão de decifrar a dança ou de procurar uma narrativa na coreografia tornou-se, em certa medida, uma obsessão (...) A seu modo, há aqui um gesto provocatório e despistante – é como se disséssemos “nós não estamos a dizer nada” querendo na verdade dizer tudo e contar uma série de coisas (...)”.
“Nós não estamos a dizer nada”, dizendo tudo, criticando tudo, e fazendo do objectivo da dança contemporânea (que será “perturbar”?,”provocar”?,”fazer pensar”?), o objecto de ironia de todo este trabalho.
A osmose entre Paulo Ribeiro e a sua mulher, a bailarina excepcional Leonor Keil, torna-se controversa quando a dualidade de ambos adopta diferentes posturas perante a pergunta “Em que plano situam o vosso trabalho?”. Paulo Ribeiro sente-o como crítica e reflexão sobre o que é, de facto, a dança contemporânea, como descodificá-la. Para Leonor, “esta peça é uma peça sobre amor, beleza, relação de homem/mulher, irmão/irmã e toda as milhentas histórias que se podem gerar entre duas pessoas de sexos opostos que se encontram.”
Apesar das diferentes visões e perspectivas, a dupla encarna e traduz perfeitamente a união num cenário submersamente aquático.
Paulo Ribeiro e Leonor Keil juntos, cúmplices e suspensos numa peça que tudo diz sem nada ser dito directamente.
[citações directas e dados retirados do manual de leitura oficial do TNSJ sobre a peça “Malgré Nous, Nous Étions Là” ]